O humor de mau humor

Tenho acompanhado umas discussões no Twitter e na internet sobre com o que se pode e com o que não se pode fazer piada. Ao mesmo tempo, faz uns dias que vi Brüno, o filme mais recente do Sacha Baron Cohen, o cara que também fez Borat, e estava bem a fim de comentar esse filme aqui. Calhou que a discussão do Twitter me deu mais motivação a escrever sobre o filme.

O Sacha é um ator, mas sua formação acadêmica é de historiador, em que seu trabalho de pesquisa consistia em estudar preconceitos do mundo. Além disso, ele profere a fé judaica. Quer dizer, o cara poderia ter sido um baita patrulhador da comédia — que é uma prática social que aponta os preconceitos –, mas acabou falando de discriminação através do próprio viés humorístico. Mas o que eu acho realmente interessante nos seus filmes é que ele disseca uma porção de preconceitos, através de um personagem que vai até o fim. O ator, o roteirista e o diretor não têm medo de misturar real com ficção, de mostrar escatologias, de achar graça de uma porção de preconceitos, mas, principalmente, eles não têm medo de ir até o fundo do humor, até onde não se sabe se é humor ou asco, até onde o público se confunda e diga: “isso é muito engraçado e, moralmente, é péssimo eu rir disso!” Eu o admiro porque ele é ácido e é politicamente incorreto, porque ele debocha sem restrições e porque ele consegue abordar ao mesmo tempo a graça do absurdo e a graça do escárnio. E sua proposta de fazer pensar sobre o preconceito ou ver o quanto somos preconceituosos e cruéis passa pelo riso provocado pela comédia — porque o trágico torna-se cômico (clichê total, mas total verídico!).

Incrivelmente, no fim do filme Brüno, conseguiram fazer um deboche de canções humanitárias — tipo “We are the world” — e chamaram para cantar com o Brüno uma porção de gente politicamente correta. Quer dizer, os caras que realizaram o filme conseguiram fazer participar desse deboche gente que é famosa por ser totalmente politicamente correta, tipo o Bono Vox ou o Chris Martin. Acho que esse foi um de meus maiores espantos no filme. Entenda o absurdo: Brüno é politicamente incorreto e, para ser uma celebridade, decide fazer uma música de paz — quer dizer, a música de paz é apenas para alavancar sua carreira, fato que já é uma banalização, no filme –; mas quem participa dessa canção, com Brüno, são as pessoas que, em tese, apoiam e realizam ações humanitárias com esse tipo de canção. Bem, Sacha está debochando de celebridades com as próprias celebridades.

Quando Brüno estava no cinema aqui no Brasil, eu li uma porção de tweets de artistas e/ou comunicadores que falavam da acidez do cara, mas que sempre elogiavam. Daí, essa semana, houve uma atucanação com o Danilo Gentili, sobre a volta da Hebe, enfim. Enquanto estava sendo exibido o programa dela, o Danilo disse no Twitter que o SBT passava o “Retorno da múmia”. Aqui em casa, rimos a valer. Mas o pessoal no Twitter — sobretudo uma porçao de gente que eu não sigo — ficou meio irritado com essa história do Gentili chamar a Hebe de múmia. Na verdade, eu já previa que isso aconteceria quando li o tweet dele. Fiquei me perguntando se o mesmo pessoal do Twitter que recomendou Brüno foi quem enxovalhou o Gentili (será?). Mas a piadinha com a Hebe, sei lá, simples e boa — não excelente, mas engraçadinha. Não quero defender a pessoa do Gentili, porque não me formei em Direito e acho que ele é grande para poder fazer isso sozinho. Acho, honestamente, que muitas vezes ele tem síndrome do Sacha Baron Cohen e não vê limites no seu humor — o que não é bom nem mau, é apenas uma característica. Mas penso que, do ponto de vista de experimentação humorística, a transgressão é legal. “Não ver limites no seu humor”, na minha opinião, é fazer graça até o limite da comédia, até onde a piada seja realmente mau gosto. O que penso é que para saber os limites, é preciso transgredir. E pensei isso quase o tempo todo em Brüno. Só que é piada, então podemos rir ou não no final, ao invés de ficar ofendidos.

Eu me ofendo quando riem de uma característica minha que eu não goste ou, principalmente, não aceite. Isso não funciona só comigo, funciona com todo mundo. É uma questão humana. E eu acredito que é sinal de maturidade saber rir do que não é interessante em si mesmo. O recalque surge disso: do fato de não saber lidar com os próprios erros/defeitos, do fato de muita gente acreditar em verdades imutáveis e do fato de a pessoa não aceitar que concorda que a Hebe é velha, mesmo. Veja que o Gentili não debochou do câncer — o que, sim, poderia beirar o mau gosto e que eu acredito que foi o agravante do coitadismo “em defesa da Hebe” no Twitter. Acho que ter coragem ao lidar com um câncer é admirável, mas isso não está sendo posto aqui e acho que nem estava sendo sugerido pela piada do cara.

Outra coisa interessante de se observar é que parece que Brüno pode debochar de celebridades internacionais, mas nós, brasileiros, não podemos rir das nossas. Rir da celebridade internacional, beleza; das nossas, é falta de educação. Existe uma aura mágica em torno das celebridades e adjacências, essa aura sugere que as piadas com celebridades sejam ofensivas ou virem motivo para falar que comediante tal “quer ser famoso com uma polêmica”. Acho muito mais nocivo tentar ser famoso com polêmicas como uma imitação mirim da Lady Gaga ou como um ensaio sensual com o filho e chamando-o de “o meu Jesus Luz”. Essas polêmicas beiram ou às vezes se afundam no mau gosto e a gente nem consegue rir da situação, justamente porque não são piadas. Dizer que um humorista quer se promover às custas dos outros — inclusive de celebridades — é verdade e não vejo nada de errado nisso. Afinal, como Chico Anysio, Arnauld Rodrigues ou Tom Cavalcante (só para citar uns caras considerados “unânimes”) se constituiriam humoristas sem deboches, paródias, imitações? Como fazer rir com um assunto/pessoa desconhecidos? O material humano — celebridade ou não — é a matéria-prima do comediante, afinal, ele precisa te ver na fila do banco, na compra do apartamento, na festa de debutantes.  Ou a homofobia de que Sacha Baron Cohen faz graça é um fenômeno não observado, é um fato de outro planeta? Por isso, penso que o comediante só pode se promover às custas dos outros ou, ainda, de si mesmo.

Discordo do Gentili e de outros tuiteiros sobre essa coisa de “patrulha do politicamente correto”, porque me parece pouco precisa. Acredito, mesmo, na “patrulha da celebridade”, em que parece que pessoas reconhecidas publicamente não podem ser alvo de uma brincadeira. A patrulha da celebridade é pior do que a patrulha do politicamente correto, porque contribui para esse endeusamento. Não acho que a Hebe ou quaisquer outras pessoas precisem disso, nem acho que as pessoas precisem endeusar uma celebridade. Reconhecimento é diferente de endeusamento. E não acho que a Hebe seja menos gente do que eu, tu, o Danilo Gentili ou nossos vizinhos só porque é celebridade.

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“Aí é que está a graça” (texto do Gentili)

Em entrevista, Danilo Gentili comenta com acidez o assunto

Precious e o Fome Zero

Na semana passada fui  — FINALMENTE!!! — ao cinema. Daí o filme que tinha na hora que fui se chamava Precious. É um filme muito bom, mas é um filme à moda daquele filme da Björk, Dançando no Escuro; ou, mesmo daquele com a Nicole Kidman, o Dogville. Precious, a personagem-título do filme, é praticamente a Polyanna, mas quase sem aparecer a realidade idealizada. Em outras palavras, ela é uma desgraçada (no sentido de excessivamente azarada e todas as desgraças acontecem com ela). A realidade da Precious é um soco no estômago. Para saber mais e ler a sinopse do filme, clica AQUI.

Mas queria comentar sobre a relação do filme com os controversos programas de transferência de valores, os ditos programas assistencialistas do governo brasileiro. A mãe da personagem Precious recebe benefícios do governo dos Estados Unidos: bolsa-isso, bolsa-aquilo. E coloca todo o dinheiro fora, além de matratá-la moralmente, sem gastar a renda que recebe com a filha ou com o bem-estar da “família”. O julgamento da classe média a respeito desses programas, aqui no Brasil, é o pior possível, já que o governo está “tirando dinheiro dos impostos da classe média” e dando dinheiro para pessoas que não fizeram nada para recebê-lo. Eu não acho isso um pensamento ilógico ou equivocado, porque realmente muitas pessoas que recebem o benefício vão comprar cigarro, ao invés de se preocuparem com a família.

Mas daí a gente vê no filme que esse tipo de benefício é comum nos países europeus e nos Estados Unidos. Essa tranferência de renda, por mais que soe como uma esmola, garante dinamismo na economia, menor desigualdade social e um pouco mais da sensação de dignidade para o sujeito. Além disso, no filme, Precious conseguiu usufruir desses benefícios para criar os filhos e seguir os estudos. Ou seja, por mais que haja muita gente que não use bem o benefício, existem, também, pessoas que aproveitam a oportunidade para serem melhores.

O Fome Zero, o Bolsa-Família e o Bolsa-Escola são programas que não são questionados nem pelo PSDB, atualmente. Tem total aprovação dos economistas mais ortodoxos e dos esquerdistas mais ferrenhos. A Europa respeita o Lula sobretudo por promover esse tipo de política. E a própria Europa, além dos Estados Unidos, tem programas semelhantes. Quer dizer, olha como nós, brasileiros, somos retrógrados nesse assunto, ainda, e malhamos as políticas de tranferência de valores! Não tenho dúvidas de que esse tipo de programa deve obrigar contrapartidas por parte do beneficiado, além de haver um controle e uma fiscalização mais rigorosa em relação aos beneficiados. É óbvio que não queremos subsidiar vagabundos com nossos impostos!

Mas é importante refletir sobre a validade desse tipo de programa e entender por que até mesmo o berço do capitalismo adota o protecionismo social. Quer dizer, se as potências mundiais valorizam esse tipo de política, por que justamente o Brasil tem de rejeitá-las?

O dia seguinte

Bem, o post anterior foi publicado pela Rosane de Oliveira no seu blogue.  Tenho de reconhecer que ela foi extremamente solícita e educada, inclusive confrontando as informações que recebeu. O fato foi que a SEC respondeu a ela. O email dizia que:

Quem é Nina Antonioli? Não tem nenhum professor com esse nome, oras. (Agora, querido leitor, imagine eu explicando que meu nome é Janina, que é polonês, por isso a pronúncia é “ianina”, porque é o nome de minha bisavó… Nina, ok? Mais fácil.)

A SEC prefere professor atendendo aluno do que aluno sem aula. (Nossa, eu também! Mas na falta de professores, esse argumento é corretíssimo! Mesmo que seja de extrema importância ter professores melhor qualificados. Além disso, o vídeo que nos mandaram para o início do ano letivo orientava que os professores dedicassem tempo para se especializarem.)

A SEC garante que não há falta de professores. Tem mais de 17 mil professores a disposição numa lista de contratos temporários. (Tá, se tem tantos profes assim a disposição, por que algum aluno ficaria sem aula em função de eu sair para uma licença?)

A SEC diz que 80% dos professores que pedem licença para estudo não voltam à sala de aula. (Sim, é verdade. Mas nesses casos a licença concedida é a licença interesse, que desobriga a volta pós estudos e não é remunerada. A licença que peço exige que eu volte a trabalhar tempo igual ao da licença, sob pena de ter de pagar o investimento para o Estado. Quer dizer, se a licença de qualificação profissional — LQP — estivesse sendo concedida, não haveria abandono dos professores no fim da licença.)

Recebi essas respostas da SEC, porque a Rosane gentilmente me encaminhou. De toda a sorte, reescrevi para a Rosane e disse que, ao contrário da SEC, eu não tinha estatísticas sobre os fatos citados acima. Mas expus o outro ponto de vista, bastante parecido ao que escrevi entre parênteses acima, mas bem mais polido.

Me alertaram que eu poderia sofrer algum tipo de perseguição ou represália na Secretaria, já que tinha “metido a imprensa” no meu problema. Mas eu tenho menos de trinta anos, então, não achava que tinha muito a perder e estava — literalmente — cagando para tudo isso: minha revolta era tal, que se me chutassem da SEC, como fizeram com o Voltaire Schilling na Secretaria da Cultura, eu não ficaria triste. Todas as vezes anteriores que eu tinha ido à SEC para saber sobre LQP, era desencorajada a fazer o processo. As explicações mais comuns eram ligadas ao fato de não haver professores para sala de aula. Além disso, a possibilidade que os funcionários da SEC me davam era tentar ajeitar um horário alternativo, uma exceção com meu diretor.

Daí fui à SEC na sexta fazer o bendito processo para conseguir LQP. Pela primeira vez não me impediram de fazer o processo, espantoso! Incrível, mesmo, foi ver uma cópia de um decreto proibindo LQP no Governo Yeda na mesa da responsável por processos de LQP (que praticamente não deve trabalhar, já que não tem processos para fazer). A governadora, junto com o Luís Fernando Záchia, sancionou um decreto que proibia a concessão de LQP desde 5 de janeiro de 2007. Quer dizer, ela assumiu o governo e, cinco dias depois, cancelou as LQP’s. Ok, é lei e não posso questionar isso. Mas o grande problema dessa questão é que tive de esperar a movimentação da imprensa para me mostrarem por que eu não posso conseguir a LQP. Tive de ir três vezes e telefonar outras cinco, até que surgisse um papel oficial e me desse um argumento de “e por que não?”. Não posso dizer que estou conformada, mas o mais revoltante nesse engodo é o desrespeito e descaso com o professor. Se não pode LQP e tem lei para isso, queria essa explicação desde o início. Bem, o que me resta nesse momento é torcer para que a governadora não se reeleja e que o próximo secretariado seja formado por pessoas mais informadas e mais dedicadas ao trato com os professores.