É tempo de amor. É tempo de dor.

Bem, nem todo mundo acompanha a atividade do blogue e do Facebook e muita gente, que nem sabe quem sou, cai aqui.

Em primeiro lugar, seja bem vind@, não importa de onde, não importa quando.

Mas você não sabe — ou sabe — que ando tendo dias de adaptação. Minha avó faleceu há dez dias e estou aprendendo a viver sem um pedaço fundamental da minha vida. Ela, logicamente, é fundamental (é, assim, no presente, porque embora não seja física, continua presente) pela referência de caráter, de pessoa, de afeto, de apoio que me deu ao longo dos 34 anos que ora apresento. Perder alguém que é insubstituível e preenchia minha vida não tem sido fácil e, por isso, tenho reaprendido a viver. Sabe por que “reaprendido”? Vou explicar. Nos últimos anos, minha rotina era ver a vó quase diariamente. Ver, saber, ouvir, perguntar, me preocupar, me ocupar, organizar as demandas dela, cuidar, olhar, tocar, mexer, enfim, minha avó me enevoava e, mesmo que isso soe cansativo para quem lê, olha: que delícia que era! Não troco a responsabilidade com minha avó pela tranquilidade de viver (um pouco) menos preocupada hoje.

E daí aparecem os amigos para aliviar a vida. Tenho saído, encontrado e procurado pessoas que me fazem bem em todos os últimos dias. Já tenho compromissos de trabalho e outros extras que vão me encher de atividade para que a falta da vó seja mais sentida, mas menos sofrida. Está bom fazer isso, porque há uma dor que só será curada com o tempo; porém, mesmo que o luto tenha de aparecer, não pode dominar a minha rotina. Um chorinho diário pode, mas não posso paralisar a vida por quem me deu vida em abundância junto com minha mãe e família. Saber colocar isso em prática requer exercício, requer se forçar a não ceder para o péssimo humor e requer solidariedade de quem está ao redor.

E daí aparece a arte para aliviar a vida. Hoje, logo que pensei na vó, de manhã cedo, veio uma canção do Baden Powell, que adoro, mas que fez mais sentido hoje do que nunca: “Ah, bem melhor seria / Poder viver em paz / Sem ter que sofrer / Sem ter que chorar / Sem ter que querer / Sem ter que se dar […] / O tempo de amor / É tempo de dor / O tempo de paz / Não faz nem desfaz / Ah, que não seja meu / O mundo onde o amor morreu”. Quer dizer, onde há amor, há conflito, há dor, há coisas a serem resolvidas. Então, o eu-lírico diz que prefere o conflito e a dor do que a paz, que é o vazio e o nada. Que tristeza viver no nada! E acho que o Baden tem razão: tenho dor, porque tenho amor; mas bem que eu gostaria de viver sem ter de sofrer, sem ter de chorar. Quando tem de se dar, ou seja, quando tem amor, tem fragilidade e é nesse espaço incerto que nos damos a conhecer.

Estou preferindo não ter paz. Tendo de sofrer. Tendo de chorar. Tendo que me dar para um amor a mais.

“Ah, que não seja meu / O mundo onde o amor morreu”

Adoro essa canção original, porém acho a versão do Herbie Hancock com a Céu es-pe-ta-cu-lar. Essa é do Imagine Project, um disco com versões lindas. Vale conferir:

 

Ser feminista é uma urgência

Lá venho eu, (veja bem) de novo, escrever sobre o feminismo. E sempre escrevo como um fenômeno social e conjecturo e discuto como se ele tivesse a ver comigo, mas em tese. Não. Hoje vou escrever porque o feminismo é para mim, pessoalmente, é para me proteger. Sou feminista porque sou egoísta.

Queria escrever sobre o caso da Fabíola (que é óbvio que não assisti o vídeo e não tive maiores informações além de notícias), que é uma violência à mulher e, mais do que isso, a sua honra, já que ela foi denegrida nacionalmente, numa situação que poderia ter sido resolvida em família, com todas as dores e julgamentos que cabem, mas que não dizem respeito à vida social dos envolvidos. Aliás, ela e o homem que estava com ela eram comprometidos, mas ninguém sabe o nome do outro, só da Fabíola. Que merda. Mas hoje não vou defender a Fabíola. Não quero saber dela.

Quero saber de mim.

Uma pessoa próxima está sofrendo violência porque teve um relacionamento abusivo com um homem ignorante. Da relação, um filho. Desde o começo do namoro até hoje (separados há muitos anos), uma relação abusiva na potência dez. A mulher tenta reconstruir sua vida, mas vive com medo. Encontra outro parceiro — que não desenvolve um afeto totalmente saudável, mas ok, ele não a machuca fisicamente e isso já é vantagem — e esse parceiro não pode ter uma história linear com a mulher, porque afinal há um troglodita que pensa que pode mandar nela, que ela não deixou de ser sua propriedade.

É o horror. É O HORROR! Quem vive em volta, teme pela criança. Teme pela mulher. Teme pelo deboche que o homem tem da justiça. Teme o tempo inteiro e não consegue relaxar, porque a violência física, psicológica e simbólica rondam a mulher, a criança e as pessoas próximas. Mais triste é o quanto as pessoas julgam a mulher: “deveria ter feito isso”, “não poderia admitir aquilo”, “esperou tempo demais para entender que o relacionamento era abusivo” — e é lógico que todos estão certos — mas nada anula a doença da pessoa que acha que pode tratar a mulher como um ser humano inferior. Essa doença tem de ser combatida, denunciada, afetada. Nenhuma mulher tem de viver sob esse jugo, não importa o que tenham feito ou o que tenham negligenciado. Nenhuma, por mais errada que esteja, por mais vadia que seja, por mais mentirosa que seja. Nenhuma.

Fiquei chocada com a história da menina que foi estuprada por trinta homens no Rio. “Ah, mas ela era usuária de drogas”, “ah, mas ela tinha filho”, “ah, mas ela foi para o lugar onde esses meninos estavam” e não há nenhum “mas” que motive o estupro e a difamação da menina na internet. Ela poderia ser puta e poderia ter uma vida vacilante, isso não importa. Os problemas dela não explicam o estupro físico e simbólico. Ela foi violada porque existem violadores e o feminismo quer que violadores não existam.

Esses casos são extremos e, apesar disso, são comuns. Quase todos os homens que conheço já denegriram a imagem de uma mulher em algum momento, tenham saído ou não com ela. Quase todos julgam negativamente e em público, seja pela roupa, pela vida pregressa, pela forma que fala. Isso é ser abusivo e esse é o primeiro passo para que o violento exista. O exagero aparece onde a doença é naturalizada.

Que o caso próximo a mim e o caso do jornal sejam resolvidos com mais feminismo, o que significa mais igualdade e menos relação de poder. Que a gente fale mais sobre isso para conscientizar homens e mulheres e que todos entendam que são iguais em direitos e deveres.

Que eu pare de escutar esses casos. Que eu pare de viver no meio disso. Que isso pare de me afetar, porque é difícil. É difícil se sentir insegura e vulnerável, por uma escolha que sequer fiz: ser mulher.

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Monumento à Catia Abreu

Uma das coisas mais legais de morar onde moro é ter as vantagens de viver na Cidade Baixa, ter uma vida diurna e noturna relativamente vivas e, ao mesmo tempo, estar nos fundos de um prédio, bem no meio da quadra, onde se encontram os pátios dos térreos dos prédios ao redor, passando dias e noites em quase silêncio, não fosse o escarrador e sua vida afetiva exibicionista.

Meus vizinhos do térreo, senhores de muita experiência, têm um abacateiro frondoso, daqueles que a gente morre de inveja de não ter o pátio e a árvore e os frutos. A verdade é que o abacateiro até me dava certo medo, porque se um abacate caísse em um dos dois senhores, teríamos uma possível tragédia.

Mas a tragédia não vai acontecer. Acordei um feriado desses aí com o barulho de motosserras e pensei: “que bom que vão dar uma aparadinha”. Que nada. Fizeram um monumento à Catia Abreu, tosando a árvore e me tirando a primavera de passarinhos e caturritas (apelidadas de angry birds, por mim, dado seu canto idêntico ao jogo — ou seria o contrário?). Não que não tenham mais caturritas, mas elas estão distantes, agora, só escuto seus ecos. Não que o verde tenha sumido, ainda existe. Mas o abacateiro, não.

A Cidade Baixa tem deixado de ser a Cidade Baixa desde que me mudei para cá. Está insegura e, às vezes, não reconheço o perfil que havia logo que cheguei. Mas agora estão tirando meus passarinhos, quer dizer, de tudo, só está sobrando a pior parte — no caso, o escarrador.

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