Reflexão hospitalar II

Ainda sobre minha relação com minha avó, estava pensando sobre o livro que dei a ela há um ano, chamado “Menina Nina”, do Ziraldo. Segue um resumo da história:

“A narrativa se inicia no dia em que Nina nasceu e com a alegria de sua avó com sua chegada. A partir daí, em linguagem simples, mas bastante poética, Ziraldo envolve o leitor na história, utilizando acontecimentos diários, aparentemente banais, mas que atestam a participação da avó de Nina em sua vida, e a admiração da neta por ela: Eu já sei o que vou ser quando crescer. Vou ser você, Vó Vivi. A narrativa vai sendo conduzida de forma leve e alegre, até que surge a dor. Através da morte da avó de Nina e dos questionamentos da neta na tentativa de entender o acontecimento, ocorre, então, uma nítida mudança de ritmo tornando o texto denso. Depois do momento de tensão pelo sofrimento de Nina perante a morte da avó, o autor apresenta a Nina e ao leitor duas razões que explicam o não-chorar. Ziraldo conclui a história com maestria na forma de encarar a morte, não se atendo a uma interpretação religiosa específica, mas sempre trazendo uma esperança para os que ficam”. (IN: http://www.dobrasdaleitura.com/vitrine/2006/09zi.html )

A semelhança do meu nome/apelido com a personagem do livro é muito clara, mas para que não houvesse dúvidas de que “minha avó era a Vovó Vivi”, também, eu usei um artifício. Risquei todas as Vovó Vivi e escrevi Vovó Vera, a minha avó. Na história, a partir do momento em que a avó morre, eu não coloquei mais o nome de minha avó, afinal, ela está vivinha da silva. Mas a história é significativa porque eu me sentia a própria Menina Nina sendo amorosamente recebida pela sua Vovó Vivi Vovó Vera. O interessante dessa anedota — e por isso eu estou contando tudo isso aqui — é que parece que finalmente eu entendi a razão de ter dado esse livro para minha avó no ano passado. Esse tempo no hospital ao lado dela foi  significativo para entender o tanto de amor que há entre a Vovó Vera e a Menina Nina.

 

Reflexão hospitalar

Há umas duas semanas estou ensaiando para escrever aqui sobre um assunto delicado, mas muito presente, que é a vida. O assunto não surgiu do acaso, surgiu em função de eu ter estado uma semana com minha avó no hospital. Como meus horários são flexíveis, eu fiquei um bom tempo fazendo companhia a ela ao longo da semana que ela ficou lá.

O ambiente do hospital — por mais acolhedor que tente ser — é ruim. A sensação de estar no hospital em si é muito chata. Além disso, tinha pouco ou quase nada para fazer, o que também é entediante. Mas, mesmo assim,  tentei tirar alguma boa lição da situação e acho que, de certa forma, consegui.

No hospital, consegui me dar conta de que minha avó está velha. Sim, é o óbvio, eu sei. Mas a gente não consegue se dar conta de que as pessoas próximas são finitas. Minha avó tem 86 anos e tem problemas típicos de velho, como insuficiência cardíaca, pressão alta, enfim, essas coisas que basta chutar uma árvore e caem dez velhos com  a mesma situação, de tão comum que é. Em função dessa obviedade, era para eu ter me dado conta de que a vó está velha faz um tempo. E pior: ela vai ficar MAIS velha ainda!  Mas a gente não vê. A gente (eu, pelo menos) acha que ela será eterna e vai continuar me cuidando, como fez até hoje.

Dar-se conta de finitude da vida é, por um lado, horrível, porque é naturalmente triste. Mas tem um ladinho bonito e bom. Vendo pelo lado menos triste, é possível conseguir modificar uma ou outra atitude. Não sei quanto tempo minha avó terá comigo, mas quero que seja um tempo bonito. Não quero ter a sensação de que não aproveitei e não fui legal com ela. Quero conseguir rir dos exageros da minha avó e saber que esse tempo compartilhado foi legal para nós duas. Minha avó é uma pessoa especialmente difícil, com um temperamento muito complicado e, nos últimos dias, isso não tem me irritado mais. Eventualmente ela fala umas aberrações, como se vivesse não no início do século passado, mas no século XIII. Mas até isso tem sido mais simples de conviver. Com minha mudança de atitude não só eu tenho sido uma neta mais legal, ela tem sido uma avó melhor.

E, quando a gente se dá conta da possibilidade (da certeza, mais ainda) da morte, a gente também pode entender um pouco mais sobre a vida. Então, ao invés de chorar a sua futura morte (que eu espero MUITO que demore!), quero celebrar a vida ao lado dela. Ainda mais que agora ela está bem e em casa!

Quando ela voltou para casa, ela disse que estava me devendo uma, já que eu fiz companhia bastante tempo a ela. Daí eu disse que não quero essa cobrança de quem deve o quê, para quem. Afinal, imagine se vou conseguir pagar pelos (quase) trinta anos que ela tem dedicado a mim!