O olhar da arte

Acho bem legal a apreciação da arte. Lamento, por outro lado não executar nenhuma arte e ser muito inapta a produção artística. Enfim, sirvo mais para Mecenas.

Mas eu me choco com a quantidade de bons olhares que nunca serão dedicados a isso. Há várias pessoas que poderiam escrever livros, pintar quadros e cantar canções, mas por qualquer razão, não fazem. Um verdadeiro desperdício artístico. Me deparei com isso há dois minutos, quando estava lendo o blogue do Pate — http://destinoinalcancavel.blogspot.com — que tem um último post escrito lindíssimo. Eu diria mais, eu diria LINDÍSSIMO. Bem escrito e bem lúcido, além de dialogar com várias cousas de literatura mundial, enfim. O cara é um metafísico, fica olhando para o tempo e o espaço e versa sobre isso lindamente. Não é a coisa mais linda que eu já li, ou seja, os artistas não-eventuais, que trabalham em cima disso e, ainda por cima, têm o olhar artístico, costumam ser melhores e o trabalho empreendido nisso não é descartável.

O que quero dizer é que há pessoas que têm esse olhar diferente em relação a tudo e, quando produzem arte, comovem. Pareceria um intento simples, não fosse minha reconhecida inaptidão em executar esse tipo de coisa. Eu gostaria de desenvolver esse olhar, compor canções, cantar, pintar coisas belas e escrever lindamente. E, quando vejo alguém colocar em prática esse olhar, sinto-me até um pouco agoniada, porque a pessoa deveria investir nisso, produzir arte e tornar-se um grande.

A arte é o que diz o próprio blogue do Pate: é o destino inalcançável. A nossa sorte é que a gente tem uma porção de pessoas que torna esse destino mais palpável e próximo.

Tudo isso é para comentar um shô que eu vi de um trabalhador da arte, que foi ESPETACULAR. Esse lance de provar a emoção artística se fez muito clara, para mim, na apresentação de Milton Nascimento. Eu fiquei abobada com a beleza das canções e suas perfeitas execuções. Tipo, nem consegui falar sobre o shô até agora, porque não há o que dizer. Nenhuma descrição explica o que é o shô do cara. Lamento quem não teve oportunidade de assistir um shô dele. Lamento profundamente, inclusive. As canções até são meio batidas, mas a interpretação é um lance único. Milton cantou “Estrela, estrela” do Vitor Ramil, que estava na plateia. Vitor compôs uma canção bonitinha, bem ok. Mas se eu fosse o Vitor, juro, eu ia no palco beijar os pés do Milton Nascimento por ter feito uma melhoria sem igual na canção, por ter dado a canção status de obra de arte. Nesse shô, Milton é acompanhado de vários cantores de um coral. Tipo, o cara ainda é generoso com iniciantes! Aliás, Milton Nascimento é generoso e ponto final, já que não está de pantufas em casa e faz o favor de continuar se apresentando.

Milton Nascimento canta discretamente no novo disco da Esperanza Spalding, que é outra fofa, do ponto de vista artístico. Eles cantam juntos “Apple Blossom”. No disco anterior, ela canta “Ponta de areia” e é arrepiante. Os dois cantarão juntos no Rock in Rio, em outubro, que eu provavelmente perderei, mas entristecer-me-ei, também (a mesóclise serve como homenagem). E o Milton poderia nem tomar conhecimento de quem é Esperanza Spalding.

O olhar que esse cara tem em relação a uma canção é descomunal. Tipo, às vezes me pergunto o que seria se ele decidisse ser um bancário, por exemplo, ser um artista eventual. Seria um grande desperdício. Haveria outros, mas não o sem-igual como ele se tornou.  Enfim, sou uma pessoa melhor porque existem pessoas que aprofundam ou não sua relação com a arte e produzem-na. Para dar uma ideia do que estou dizendo, veja o que Milton Nascimento fez com a música do Jota Quest. Tornou-se outra canção: mais linda, mais inteira, mais entregue.

Sobre Esperanza Spalding, vale ver isso e os vídeos relacionados, que o Tube indica.