Alejarse

Alejarse, em espanhol, significa afastar-se. Quer dizer, é isso, mas com uma noção de que algo fica e algo vai. Em português, parece que é diferente, porque afastar-se é quando ambos os pontos se vão simultaneamente. Alejarse é um verbo bonito, sonoro e nostálgico.

Ultimamente me sinto bem assim: alejándome. E vejo que meus movimentos são contrários à minha vida profissional / minha profissão, enquanto ela fica lá, estanque, quieta, parada. É óbvio que isso desperta alguma nostalgia, porque houve um tempo em que essa vida era uma alegria só — ou quase isso — e hoje não é mais. Dar aulas é algo que adoro e que não penso em abandonar. É um trabalho maravilhoso e enriquecedor. É divertido e estimulante. Porém, nos últimos tempos tenho tido tantos ranços para resolver e para lidar com o trabalho, que não sei até que ponto a alegria de desenvolver uma habilidade para lecionar compensa o engodo constante que o sistema de ensino carrega consigo.

Primeiro, tive a atucanação com o raio da licença. Nos posts anteriores, falo bastante sobre a incompetência pública para lidar com o funcionário e a falta de transparência no que diz respeito aos direitos de tais trabalhadores. Foi um transtorno ter de ir na SEC, dar explicações para a direção e, enfim, tentar fazer legalmente um processo… foi um saco ter de passar por isso. Pior, na verdade, foi ver que todo o meu esforço caiu na vala comum e o processo foi julgado com uma porção de absurdos ridículos, até eu não poder fazer nada. Não que não pudesse ser indeferido, mas me vi numa situação em que nada poderia ser feito. Assim, chato, mesmo! O “jeitinho” foi a orientação dada pela SEC, mas jeitinho e troca de favores não me adiantariam em nada.

Depois, tive outra atucanação. PERGUNTEI se existia uma POSSIBILIDADE de redução de carga horária em função de eu ser mestranda. Queria duas ou três horas semanais — poderiam descontar das minhas horas-bunda, que não tenho cumprido sentada — para poder me reunir com o orientador. Afinal, se faço mestrado, deveria desenvolver pesquisas e avançar no meu projeto. Parece que seria bom e o melhor: ninguém sairia prejudicado. OFICIALMENTE, não tive respostas. A SEC não pode responder se existe a redução de carga horária a qualquer funcionário público, porque precisa avaliar a vida funcional antes de responder uma pergunta sobre o que diz a lei. Fato que é, pelo menos, um absurdo já que perguntei se LEGALMENTE isso existe. Só isso. E o que legalmente existe — parece — deveria servir a qualquer pessoa, não a uma específica que foi avaliada em sua vida funcional. Além disso, se não existe, gostaria de receber um email que dissesse, então: “não, não pode”. Tenho tido a impressão — em função dos indícios — de que poderia ter tal redução, mas não sou a pessoa certa para que tenha o benefício concedido.

Na sexta-feira, recebi uma advertência por atrasos. Três atrasos, na verdade, que gera uma marcação de falta. Não questionei a Direção da Escola porque acho que é inquestionável: estão fazendo o trabalho deles e não acho que fazer certo possa ser repreendido. Mas isso me fez ver avaliar dois aspectos, então. O primeiro aspecto é o óbvio: eu atraso porque não quero mais estar ali. E não quero, mesmo. Depois de todas as coisas que tenho passado para tentar garantir o mestrado e ainda fazer um trabalho bacana, não vejo nenhum tipo de apoio prático de lado nenhum. Ninguém precisa, realmente, me apoiar. Mas tenho tido vontade de ficar onde me sinto mais útil e apreciada e a escola, além de não ser onde isso acontece, é o oposto desse espaço de acolhimento, é outro lugar onde vamos todos para a vala comum, porque precisamos ser tratados de forma igual. O trabalho não é avaliado, avaliadas são a pontualidade, a frequência, a disciplina e todas as coisas ligadas à forma, não ao conteúdo. Não é culpa de quem faz a escola que essas coisas existam. Essas coisas precisam, inclusive, existir. Quem tem problemas com esse sistema sou eu. E quem não tem mais disposição para isso sou eu.

Toda essa reflexão está bem ligada ao segundo aspecto, que é a pouca importância com a competência e engajamento. Eu queria ser lembrada por competência e engajamento, não pelo atraso ou pela pontualidade. Queria que fosse distinta dos que fazem hora-bunda, porque não faço e procuro desenvolver outras coisas mais interessantes do que ficar sentada. Queria que o atraso fosse revisto, porque me atraso quando não tenho o primeiro período, não atraso quando preciso atender alunos. Queria um desempenho de conteúdo, não de forma. Queria ser vista qualitativamente, não quantitativamente. A escola, nesse sentido, se alinha ao comportamento da secretaria de educação: não dá margem para que pessoas se destaquem, mas pune quem não cumpre as pró-formas estabelecidas. Apesar disso, tenho consciência de que para uma escola funcionar tem de ser desse jeito, que é o meu avesso. Insisto: não culpo, nem repreendo a postura da escola. Acho que, no seu contexto, na sua subordinação e na sua função, a escola cumpre o que se propõe. Mas cada vez mais vejo que não caibo lá. Sou o desajuste, a anarquia, a contra-mão.

Não é bom nem ruim eu mesma perceber que no trabalho estou todo o tempo fora do lugar, deslocada. Estou observando como tornar essa situação mais amena e tentando conviver com esse desvio, enquanto não tenho como sair da escola. Tenho contado os dias para que possa ir embora, ainda que tenha muita tristeza com a ideia de deixar as turmas no meio do caminho. Mas esse sistema não me serve mais. Foi bem legal, mas o divórcio é iminente. Alejarse poderia, então, nesse caso ser sinônimo de andar para frente.