Tu já falou sobre aborto hoje?

Pois é, hoje todo mundo está falando sobre o aborto, já que está havendo audiências de uma ação no STF sobre sua descriminalização. Daí surge a pergunta: tu é a favor do aborto?

Não. Ninguém é, de cara, a favor, na verdade.

Acho que o tom do debate, pelo menos entre os “pró-vida”, os defensores da família (?!?), os religiosos, deveria começar por aí. O que está em jogo, nesse processo, é apenas UMA coisa: não permitir que mulheres sejam presas por terem praticado aborto.

Sou contra o aborto e, muito provavelmente, só recorreria a ele nos casos previstos por lei (e mesmo assim, correria muito o risco de ser presa, já que há relatos de mulheres que tiveram autorização e foram presas depois, porque outro juiz resolveu criminalizar). Mas o que faz com que tanta gente que sempre cagou para seu entorno — miséria, misoginia, violência — resolvesse, então, deliberar sobre o aborto e “defender a vida”?

Em primeiro lugar, poderíamos dizer que a lei, tal como está, é incompleta; afinal, o aborto costuma ser decidido (seja via abandono, seja via consenso) por duas pessoas, os responsáveis pela concepção — mas só uma tem chance (real) de ser presa. Ninguém “pró-vida” fala sobre isso. Sejamos honestos: ninguém.

Se a lei para de criminalizar, os “pró-vida” podem debater o aborto e atacá-lo no seu âmago com mais propriedade: o que leva uma pessoa a abortar?, onde está a rede de apoio para fazer a gestante realmente decidir?, que tipo de ajuda institucional há para quem opta por seguir a gestação e dar a criança para a adoção (vide JUNO)?, como superar o abandono paterno?, como uma mulher lidaria com uma criança advinda de um trauma (pode não haver estupro, mas há vários homens que ficam muito violentos quando descobrem a gestação)?

Quem quer discutir o aborto e “defender a vida”, tem de começar por aí. Ouvi falar sobre UMA paróquia no Rio que trabalha com aconselhamento de gestantes de baixíssima renda que cogitam abortar.

Isso, sim, é ser cristão: lida com o problema e tenta acolher a mulher vulnerável, sem apenas julgar. Porque, independentemente da classe social, uma mulher que deseja abortar (ou simplesmente cogita a hipótese) é uma mulher vulnerável. Os religiosos e moralistas não cuidam dela. Não cuidam do bebê. Julgam, mas não condenam os homens que abortam.

Mas se dizem “pró-vida”. Na verdade, não são.

São pessoas pró-concepção e pró-encarceramento.

Só acredito nos “pró-vida” tipo a Elba Ramalho, que poderia estar cuidando das filhas e cantando, mas, além disso, trabalha voluntariamente no aconselhamento e acompanhamento de mulheres gestantes que estão em vulnerabilidade social. Elba não vai a essa paróquia cagar regra para as gurias, vai ouvir, ajudar e acolher.

Ser contra o aborto passa por esse tipo de atitude. Se tu queres tanto pressionar politicamente para que o aborto não ocorra mais, cria coletivos de cuidados de gestantes, ajuda com um fundo de amparo financeiro e psicológico a elas, cria campanhas de conscientização de paternidade e de responsabilização do homem nesse processo, escuta-as, pressiona o judiciário para que facilite a adoção ainda no período de gestação. Um monte de coisa se pode fazer!

Isso, sim, é ser pró-vida, sem aspas.

Do contrário, tu és apenas alguém pró-encarceramento. E tudo bem. Mas poderia assumir, que fica menos feio.