LOTERIA

Estava me dando conta de que, desde que a vó faleceu, a MegaSena é um fenômeno totalmente inexistente da minha vida. Mesmo quando a vó não pedia, eu acabava jogando os números dela, numa insistente obediência burra. Quer dizer, por amor fazemos coisas insanas, mesmo. E chamo de insano não no sentido de criticar jogar numa loteria, mas de fazer uma coisa sem simplesmente saber por que faz e continuar fazendo.

Muito bem. A vó morreu e eu parei de jogar na loteria, como que magicamente.

E daí? E daí fiquei tentando achar significado para a vó querer passar a vida tentando ganhar na loteria e eu não. Bem, o sentido da loteria na vida da vó não tenho como precisar. Poderia divagar sobre isso, mas vou tentar divagar sobre por que isso já não faz parte de mim.

E descobri. Porque sou rica. Porque ganho um pouco na loteria todos os dias. Passei um finde ótimo, regado a risadas com amigos: ouvimos boa música, bebemos boa cerveja, comemos boa comida. Passei um dia com minha ex-aluna, que é minha amiga, que me conta a vida, que divide confidências, que entende que a vida é bonita apesar de tudo, que gosta de ficar perto. Mateei, cantei, amei e tenho feito muito disso nos últimos dias.

As pessoas têm me encontrado e sido generosas não porque perdi uma referência de vida e estão com pena (quer dizer, não quero acreditar nisso, na verdade, porque que de última para ambas as partes, né?), mas porque estão dando o que têm de melhor e tenho aprendido a receber. Citei esses últimos dias apenas porque lembrei de relacionar à loteria da vó, mas tenho sido acolhida imensamente, amorosamente e divertidamente. Há vários dias, de vári@s querid@s.

O bom humor, para mim, é a coisa mais deliciosa na vida e acho que as pessoas me entendem. Não adianta, para mim, querer me consolar do que não há consolo. Então dou e recebo o que se pode: bom humor, amor, sorriso. Tenho uma teimosia quase infantil em ser feliz.

Nenhuma situação incômoda ou desconfortável sobrevive no meu corpinho (corpanzil, melhor): o que não serve tem de ser mudado; se não consigo mudar imediatamente, aprendo a conviver até modificar e deixo de ser infeliz. A infelicidade e a tristeza não habitam minha vida: nem por escolha, por natureza minha, mesmo; por inatismo. Todo mundo nasce para brilhar e, como diz a canção, “this little light of mine / I’m going to let it shine”. Não que eu seja iluminada, mas há alguma coisa de bonito que eu, aqui, humildemente, posso compartilhar. E só quero se for bonito. E só quero se for feliz. Menos que isso não é para mim. Menos do que isso não serve para ninguém.

A felicidade está ao meu lado, a um toque de telefone, num abraço, a três horas de ônibus, numa lembrança, num vídeo, num timtim… E ela não me abandona, por teimosia, mesmo. Para que MegaSena?