Caça às bruxas. De novo?

(AVISO: texto longo)

É, parece que a mídia não aprende e nós seguimos essa mesma lógica. Por quê? Proponho uma pequena digressão para aprender com os erros, assim como fazem os jogadores.

Em 2010, tínhamos um time campeão. Campeão, mesmo, porque em quatro anos de Dunga, não havia nenhum tipo de derrota, o time  seguia um técnico posto em dúvida e, em sua primeira derrota, nas quartas de final (se erro, me corrijam), Dunga é o “burro”. Se vocês se lembram, o time de Dunga era o Kaká (vindo de lesão) e mais dez. Daí tinha o Felipe Melo, que já não era questionado, mas todo mundo estava esperando ele se descontrolar e fazer uma falta. Bem, isso, de fato, aconteceu. Ele viu a Holanda mandar no jogo e se passou. Daí o Dunga virou burro, o Felipe Melo — que até então tinha servido ao time — era o marginal e o Kaká não tinha jogado nada. A seleção de 2010 tinha ido muito longe, se considerado que era uma seleção média (o Kaká vindo de lesão e mais 10) e foi longe porque tinha raça. Bem, raça sozinha não ganha Copa. Todo mundo sabe. E o Dunga, de capitão do tetra (e que capitão!), passou a “burro”.

O que aconteceu depois? A CBF não segura a pressão e coloca o Mano Menezes no comando. Um técnico que só se credencia porque tira times da segundona. Certo. Isso é um mérito, de fato. Mas diante da possibilidade real de um Muricy, que estava em seu melhor momento e vinha ganhando com técnica, tática e motivação, ganhamos um técnico que nem no “Curinthia” ia bem, apesar de a mídia paulista (corinthiana) (Obrigada, Ale, pela elucidação!) achar que ele fosse “o cara”.

Enquanto isso, a Alemanha, que tinha ido bem na Copa de 2010, mas não tinha levado a taça, estava SATISFEITA em ir para as cabeças e preparar um time de verdade para a Copa do Brasil. Entrosamento, adaptação tática e organização técnica (inclusive melhora de fundamentos de forma coletiva) foi o que eles fizeram. Trabalharam por seis anos e o país não ficou chamando o Joachim Löw de burro ou coisa parecida. Ninguém falou em renovação e o escambau (e o time nem era tãããão jovem: olha o Klose, hoje, com 36 anos!).

Daí, aqui no Brasil, alguém se deu conta de que o Mano não estava muito confiante e estava “renovando” por renovar, afinal era o clamor da “população”. Mentira. Era o clamor da mídia, que se tornou do povo por total convecimento. A CBF decide, então, parar com o discurso de renovação e chama o Luís Felipe, mas com o Parreira (?), porque dois campeões vão dar conta em um ano e meio. Quer dizer, todo mundo se planejando bem, mas o Brasil teria campeões e motivadores. O talento seguraria a taça. O hexa viria em casa.

A Copa das Confederações foi ótima e vamos considerar: poucos jogos e o melhor momento físico e de carreira dos jogadores. Era a Copa do Neymar. Nomes como Oscar, David Luís, Thiago Silva, que são, agora, “sensações” eram quase desconhecidos na Copa das Confederações. O fator motivação foi importante e perder a Copa das Confederações não seria um horror: era um time recomeçando. As outras seleções também não jogaram “às ganha”, vamos assumir. Porque esse torneio é quase um amistoso bem pegado.

Quando chegamos à Copa, “às ganha”, tínhamos um time que não estava 100%. O Luís Felipe estava tendo uma lua de mel com a imprensa, porque aprendeu com 2002 e com o Dunga — o que, hoje sabemos, não adiantou nada. Vamos falar a verdade: a CBF inicia tarde os treinamentos porque quer ficar de bem com os times da Europa, coloca o Luís Felipe e o Parreira a falar com todo mundo para dar boa imagem, mas não fez aquela receitinha da parábola da cigarra e da formiga, a mesma receitinha da Alemanha.

Estamos entre as quatro melhores seleções da Copa de 2014 e acho que fomos bem longe. A Alemanha estava orgulhosa de seus jogadores e de seu técnico com essa colocação em 2010; os alemães sabem que uma seleção vencedora demanda tempo e trabalho. O talento é inerente ao jogador brasileiro, mas, hoje, meu amigo, ninguém é mais bobo e ninguém vive de Amarildo. Vamos voltar a chamar o técnico de “burro” e os jogadores de sem talento? O Chile e a Colômbia receberam seus jogadores como heróis. Vamos envergonhar David Luís e Thiago Silva?

Honestamente, gostaria de mais quatro anos de Luís Felipe na seleção, assim como em 2010 queria mais quatro de Dunga. Muitos podem dizer: o técnico é culpado, então tem de sair. A culpa do técnico é real. Joachim Löw perdeu o jogo e não ganhou a Copa de 2010, bem ele foi o culpado. Mas ele formou uma equipe, preparou jogadores, deu cancha para esse time, disputou eliminatórias (enquanto o Brasil fazia amistosos ou peladas entre amigos). O Brasil chegou à semifinal por seus jogadores, que são ótimos, e porque tem/tinha Luís Felipe. Ele é o responsável pelo sucesso da equipe, foi ele quem ganhou o jogo contra o Chile e ele soube impostar-se em relação à Colômbia — que até pegar o Brasil era um timaço, confesse.

A verdade é que, para o jogo de hoje, senti mais falta do Thiago Silva, que, além de ser um monstro na zaga e ter uma liderança linda, ajuda a orientar o posicionamento do time, do que do Neymar, que é super individual. O time, lógico, estava com medo da Alemanha e meio preocupado porque faltavam peças importantes. Não era para ter renovação a qualquer custo? A renovação veio com imaturidade, mesmo que cheia de talento. Além disso, os guris precisaram assimilar em quatro dias a perda do capitão, a vértebra quebrada do outro colega, a favorita e a possibilidade de perder — porque, para a mídia, ou é o vencedor da Copa, ou é a derrota em forma de time. A seleção de 1998 foi o segundo lugar e perdeu para uma França com um dos maiores craques já vistos. Poxa, que honra perder para o Zinedine Zidane e seu lindo futebol, ainda mais com um “Fenômeno” passando mal ao longo da partida e os demais dez jogadores cuidando, como babás preocupadas, do nosso craque.

Não sei se Luís Felipe escalou mal ou posicionou mal. Não sei se a motivação ficou balançada e essa foi a razão de terem aberto as pernas num jogo vexatório. Os guris precisam passar pela dor: ser campeão depende do gosto amargo da derrota. A Alemanha pode nos contar mais sobre isso. Mas a derrota, mesmo a vergonhosa, não serve para nada se a gente não a usa como bagagem.

Parece que a mídia vai fazer novo desserviço chamando outro técnico de “burro” (não quero, eu, aqui, eximi-lo de sua responsabilidade pela derrota, é claro, mas avalie o contexto), a CBF vai tentar achar outro técnico para renovar o time e ninguém vai aprender com os erros e formar uma seleção mais madura com os talentos que aí temos.

Poderia ser diferente. Thiago Silva terá 33 anos em 2018: olha que lindo seria um zagueiro experiente ao lado de David Luís. Oscar vai tentar deixar de fazer o que faz Neymar para ter um espaço mais claro no seu time e na seleção, também. Seria ótimo, excelente: teríamos aprendido com os alemães que o trabalho é de formiguinha, que a derrota só aumenta o “sanguenozóio” e que essa seleção, já vitoriosa, seria coroada com a Copa de 2018. Mas a tendência não é essa: vamos viver de entre-safra de talentos e vamos continuar confiando em messias da bola.

Ninguém é infálivel e é por isso que agradeço ao Luís Felipe e aos 23 garotos por terem dado tantas alegrias nesse tempo e falhado UM jogo. Infelizmente, a voz da mídia é confundida com voz do povo e a CBF tende a acreditar na pressão dos jornalistas, que teimam em nos chamar de derrotados, quando poderiam fazer um serviço ao futebol e dizer que estamos com uma equipe jovem, em formação; e que deveríamos saudá-los porque foram guerreiros e porque têm talento e podem, se bem trabalhados, nos trazer o hexa em 2018. Eles merecem o hexa. Nós merecemos o hexa.