Da modéstia

A modéstia é uma qualidade somente quando não é um cinismo.  Bem, essa é apenas uma opinião. É lógico que é desejável que, no convívio, as pessoas sejam modestas e não fiquem enumerando todas as coisas que fizeram e fazem bem. O chato, mesmo, é quando só a família, o trabalho e o que a pessoa é e faz são melhores do que tudo no mundo e seus feitos se tornam o assunto de tudo. Inevitavelmente já tive uma ou outra vez essa atitude, principalmente quando bem mais jovem, e acho que é uma atitude de certa insegurança, que também é bem típica da juventude.

Então gente sem nenhum fiozinho de modéstia é chato, né? É.

Mas acho mais chato que isso o cinismo da modéstia. Gente que cria situações para que lhe elogiem ou faz uma cara de satisfação quando está dizendo “ah, imagina!”. Isso é mais chato de lidar, porque a pessoa não está — efetivamente — se auto-elogiando, mas está implicitamente fazendo isso e cria um ambiente meio complicado. Quer dizer, complicado para mim… Acho que outras pessoas podem conviver bem com isso, sei lá, mas sinto vergonha alheia.

O Rafinha Bastos e o Pepeu Gomes, por exemplo. Os caras não são modestos, sabem do seu valor no seu métier e reconhecem isso publicamente. Não há pedantismos (acho que nem no caso do Rafinha, apesar de parecer) ou estrelismos. Há, sim, um reconhecimento individual do que está fazendo (de relevante) em determinada área. Mas como reconhecer suas qualidades soa, na nossa cultura, como pedantismo, então penso que os lúcidos de si próprios são todos mal compreendidos. Esses exemplos são exemplos grandes, visíveis. Mas quando reduzimos esses exemplos ao dia-a-dia a coisa muda bastante de figura, mas não a incompreensão.

Parece socialmente feio dizer em primeira pessoa que fez um bom trabalho, que tem qualidades para determinada ação ou que entende de determinado assunto. Daí, quando outra pessoa reconhece, o elogiado responde: “ah, imagina!”. Às vezes, além do “ah, imagina!” vem um agradecimento que é igualmente cínico, pois a pessoa diz “obrigada!”, mas está fazendo uma cara de “sou foda, sei disso”. Seria mais bonito dizer: “nossa, fico feliz que tu tenha reconhecido [o que disse / o trabalho / etc]”, porque agradaria a todos, seria simpático e não haveria cinismo.

Tenho uma amiga que conheci no curso de Magistério e nós tínhamos de escrever um trabalho de fim de curso, contando como foi o crescimento individual durante o curso de Magistério. O professor orientou que deveríamos escrever, entre outros itens do trabalho, os agradecimentos. Essa colega levantou uma pergunta interessante, que lembro até hoje. Ela perguntou se ela poderia agradecer a si mesma. O professor, logicamente, achou a pergunta meio absurda,veja bem, quem agradece, agradece aos outros. Ela explicou que gostaria de agradecer aos pais, claro, mas, antes de tudo, queria agradecer a ela própria, por ter conseguido terminar com sucesso essa etapa dos estudos. Ela explicou que foi ela que fez os trabalhos, ela que estudou, ela que pensou em jogos e atividades, ela que planejou e estagiou. Ora, então se ela fez o curso com tanta qualidade, se ela sabe que fez o melhor como aluna, por que não reconhecer isso em seu trabalho? Obviamente outras colegas riram e acharam engraçado. Penso que acharam engraçado porque não foram tão boas como ela. Eu não fui tão boa como ela, mas admirei sua atitude, de saber quem ela é no mundo, de ter orgulho de si e de não precisar ser pretensiosa (nem fingir não ser).

Há coisas que fazemos sozinhos e que conseguimos sem ajuda de niguém. Às vezes, deveriam existir pessoas para nos ajudar e há algumas, inclusive, que querem fazer isso. Mas conjunturalmente há situações que estamos sozinhos, no limbo, mesmo. Que, mesmo com a melhor boa vontade, não há como resolver sem ser sozinho. Às vezes, quem deveria ajudar, atrapalha e perturba. E há situações quedevemos ser gratos e recebemos o presente de uma ajuda que surge do nada. Mas nas situações que estamos sozinhos, há de se valorizar o que conseguimos sozinhos e ver que fomos bem e que somos capazes. Não os melhores, não os imbatíveis, cheios de detalhes para melhorar, mas fomos bons, ora.  Nos eventos de cerveja artesanal, em geral, não vejo nem falsos modestos, nem gente que se vomita auto-elogios gratuitos. E, veja só, esse ambiente me parece muito saudável, pois a pessoa faz a cerveja por lazer, o líquido pronto é um orgulho para ela, mas não trata como se tivesse descoberto a América. A modéstia hipócrita é tão feia quanto a insegurança da arrogância. Bonito, mesmo, é saber de si e saber o que há coisas que tu realmente é foda. E não deveria haver nenhum mal em saber disso.