Bolsonaro e a polêmica do CQC

Ontem o CQC exibiu um “O povo quer saber” com o deputado Bolsonaro (veja o que ele disse no CQC clicando AQUI).  Uma boa parte da mídia engajada, hoje, está criticando o CQC por tê-lo feito, já que dar mídia para esse sujeito seria uma forma de dar corda para uma porção de preconceitos e violências contra a sociedade e a diversidade social (podes ler uma das críticas AQUI). Quando eu era pequena, morei um tempo em São Paulo e lembro-me vagamente ter ouvido falar desse sujeito, o Bolsonaro, apesar de ele ser deputado pelo Rio. O cara é deputado desde 1990 e, agora, tem um filho também deputado, que tem um projeto de lei para esterelizar moradores de rua — igual se faz com cachorros e gatos, mas com um pouco mais de humanidade, entre os animais (a responsável por esse post não é contra cães e gatos, ao contrário, adora; mas parece que deveria ser reconhecido que há algum nível de consciência, algunzinho, superior nos humanos). Parece que o cara é eleito deputado eleição por eleição. Pensando nisso, acho que é lógico analisar, primeiro, o óbvio: se ele é eleito sempre, ele representa uma parte da sociedade, mas, mais do que isso, ele corresponde aos anseios de uma parcela da população através da via democrática. A democracia, por sua natureza, tem de suportar, inclusive, as ideias desse deputado, que defende ditadura militar, tortura e homofobia. É claro, por outro lado, que todas as vezes que ele incitar racismo e outros crimes, deve ser — também por via democrática — processado, de acordo com o que é previsto em lei. O que me espanta é que Bolsonaro continua sendo eleito e nada é feito com ele.

Hoje li a crítica contra o CQC. É óbvio que um programa de TV vai explorar a polêmica, pois isso se faz desde o Fantástico até o Gugu: condenar o programa por polêmica não parece ser inteligente, já que todos fazem isso, de uma forma ou de outra. Mas adotar o bom-mocismo e esconder que tipos como o Bolsonaro existem é um desfavor, na minha opinião. O que parecem pensar os críticos é que não se pode censurar o que é “bom”, mas pode censurar o que é “ruim” (censura, aqui, não como uma ação institucionalizada, mas no sentido de permitir ou não exibição de algo, mesmo); ou seja, tudo o que é politicamente incorreto tem de ser escondido embaixo do tapete. Todos ficam chocados quando um cara como o Bolsonaro aparece na TV, mas quase ninguém mostra o que o senhor deputado pensa, faz ou fala. Parece que melhor é que tipos como o Bolsonaro sigam no anonimato, que a mídia siga sem saber quem ele é. Mais: é preferível pensar que esse tipo de cara não tem eleitores, parece que ninguém o apoiou ou apoia, efetivamente. E essa atitude de desconhecimento/ignorância é, infelizmente, típico no Brasil: tu sabes dizer o que pensa, faz e fala teu deputado? Tu twittas ou mandas email ao teu representante? Tu sabes quem são os colegas do teu candidato a deputado? Então, é importante, sim, que a televisão mostre que é o povo que deu voz ao Bolsonaro e que há uma porção de gente que pensa igualzinho a ele. Aliás, quando é o teu vizinho fala coisas iguais ao Bolsonaro, não tem alarde nenhum, não é? Chega a ser chacota, graça. O exército do politicamente correto se incomoda quando esse tipo aparece na TV, não na fila da padaria. Isso soa muito estranho, não é, não?

Não quero defender o CQC e não acho que eles têm algum compromisso social (tá, só o Proteste Já, talvez…), eles são TV, ou seja, entretenimento barato de massa. Só isso! Mas é inegável que o brasileiro fica indignado quando se enxerga e quando enxerga o que não quer acreditar, na televisão. Não houve, por outro lado, na fala dos apresentadores do programa, nada que mostrasse acordo com o que Bolsonaro disse. Ou seja, não aconteceu apologia ao deputado. Parece que o CQC mostrou, pela via democrática, um tipo de sujeito que foi votado com o apoio de uma parcela da população. Sobre a questão de que Preta Gil foi vítima do cara, daí achei um exagero: o deputado ofendeu a Preta e sua família, é verdade (ainda que eu ache que não foi em relação ao racismo, parece que ele não entendeu a pergunta: Preta perguntou sobre maçãs e ele respondeu sobre melancias, mais ou menos); mas Preta tem meios legais de se defender e cobrar de Bolsonaro mais respeito. Preta Gil tem condições de se defender legalmente e de fazer valer seus direitos. Quer dizer, vitimizar a Preta Gil contra o CQC não me pareceu inteligente. Vítima, seria, se ela fosse uma pessoa sem condições de telefonar para um advogado e jogasse na mão da Defensoria Pública, sem nem saber se teria ou não direito a algo.

O Jô Soares, em 2007, levou o referido deputado ao seu programa e Jô esclareceu sobre as questões democráticas que levaram o deputado até lá. Houve um debate, Jô discordou do Bolsonaro uma porção de vezes, mas não houve tamanha repercussão e não se soube de ninguém que tenha se sentido ofendido com as declarações do deputado — que foram ainda mais sérias do que foi declarado no CQC, na minha opinião, pois havia apologia à tortura e crimes contra os direitos humanos. Ali teria sido um momento ideal para um processo. Mas daí, na ocasião do Jô, ele não falou da família da Preta Gil, não tinha nenhum paladino do bom-mocismo vendo e a aura das celebridades não tinha sido maculada. Para ver a entrevista no Jô, clique, em ordem AQUI1, AQUI2 e AQUI3.

O que realmente me espanta não é que Bolsonaro tenha voz ou que tenha uma legião de pessoas que concordam com ele — porque tem e não deixará de ter (esperamos que seja SEMPRE uma pequena parcela da população). O que me espanta é que ele ainda esteja ileso: segue sendo deputado e não responde por nada. E a culpa, para alguns críticos, acredite!, é do CQC, que veicula o que o cara disse. “Ah, vá! É memo?”[1] Enfim, lamento que o cara tenha sido reeleito, mais uma vez. E espero que a população reflita sobre quem está no poder, de fato.

[1] “Ah, vá! É memo!” é um bordão do Bola, do Pânico na TV. É uma ironia para uma coisa que soa óbvia. Veja aqui: