Mais da mesma

Minha avó gosta de dizer — há uns vinte anos, já — que a gente fala dela, mas vai ter saudades quando ela se for. Nem tem como dizer o contrário. Minha avó é uma avó que nunca negou o imenso carinho que tem por mim e todo o seu cuidado. Mas o fato de sentir muitas saudades quando ela se for não impede que eu continue falando dela.

Faz um tempo que, quando fui visitar minha mãe e minha avó, estávamos vendo TV, minha mãe viu uma propaganda da RBS e me pediu:

— Tica! Tica! Descobre qual é a música dessa propaganda, Tica! Quero saber, é linda!

Mas eu não sou muito afeita a televisão, nem vi o raio da propaganda e disse:

— Ah, mãe. Não vi nada, nem sei o que é. Põe no Google e descobre.

Minha avó imediatamente se posicionou:

–Nada de pôr no Google. Agora é hora da minha novela. Sem essa de Google!

É óbvio que me mijei de rir horas a fio. Minha avó ficou bem braba, porque eu comecei a ligar para minhas tias para contar o feito. E não conseguia parar de rolar de rir.

“Moça, ele é meu.”

Para tirar as teias de aranha do brinquedinho aqui, decidi contar uma historinha não muito legal, mas acho importante compartilhar, já que foi uma situação meio (bem!) dantesca.

Quinta passada, eu estava caminhando, era cerca de 20h, num cruzamento de duas avenidas grandes, aqui em Porto Alegre (ora, onde mais?). Daí vi que tinham muitas pessoas olhando um piá, de cerca de seis anos, fazendo o maior fiasco. Mas era um fiasco maiúsculo! Sabe, tipo, daqueles de mandar internar! O menino estava bem vestido, limpinho, calçado, enfim, nada que pudesse dizer que ele era garoto de rua, por exemplo. Um monte de pessoas ia caminhando, fazendo suas coisas e ficavam olhando para trás, vendo aquela situação que chamava atenção, mas o gurizinho seguia gritando, vermelho, irritadíssimo, xiliquento, como se não houvesse amanhã.

Bem, vi que a criatura estava sozinha e fui ver como levar para casa, para polícia, sei lá. Mas daí percebi o que ele dizia: “Eu quero o computador! Não quero sair do computador! Cadê minha mãe! Mãe, quero ficar no computador!”. Enfim, era uma birra. Fiquei procurando ver se tinha alguém na volta, não tinha ninguém, daí fui falar com o piá, tentei acalmar o guri conversando com ele, ele foi parando de chorar e de gritar, ficou procurando a mãe, meio desesperado e me explicou que a mãe foi buscá-lo na casa da avó, que ele estava no computador e que a mãe o obrigou a ir embora, que tinham de ir para casa, daí ele saiu do computador. Ele disse que a mãe falou para ele ficar lá fazendo birra na rua (de noite, sozinho) e, se ele quisesse, que fosse atrás dela, mas sem discussão. Perguntei onde a vó morava, ele sabia me explicar e eu ia levar ele lá. Antes, pedi se ele queria uma água para se acalmar, que eu ia comprar para ele. Tipo, a malinha berrante virou um chuchuzinho de pessoa em cinco minutos.

Quando me virei, para ir buscar a água, uma mulher me diz assim: “Moça, ele é meu.” e eu pensei: “Ah, vá! É ‘memo’?” A mulher foi longe, porque não vi nem a sombra dela enquanto olhava em volta para achar a mãe da criança. Ela demorou para voltar, porque deu tempo de ele se acalmar, contar a vida dele, explicar sobre o computador… O guri voltou a se revoltar com a mãe gritando pelo computador, mas daí eu já não tinha mais o que fazer. Vi só a mãe dando um celular para a criança, acho que para o guri falar com o pai, porque a mulher disse: “Teu filho tá fazendo escândalo e me fazendo passar vergonha na rua. Fez showzinho para os estranhos. Fala com ele!”. Achei muito boa, essa: ela some e deixa o piá sozinho, daí, quando volta, o filho é dela, mas, na hora de xingar, o filho é do pai.

A criança estava realmente chata, bem insuportável, mesmo. Mas o mais irritante é  ver essa gente que não quer ser adulto na hora que lhe cabe, tipo a mãe dele. Deixar o piá sozinho, de noite, na rua, em Porto Alegre, não é só falta de responsabilidade, é falta de massa cinzenta, mesmo.

Obviamente fiquei nervosa com a situação, também. Não sabia o que fazer com uma criança desconhecida, como deixá-lo em uma situação segura, o que dizer para o menino. Por uns minutos, me vi um pouco desconcertada, enfim. Acho incrível como uma situação com criança nos incomoda e, de certa forma, revolta. Não que eu tenha descoberto isso hoje — afinal, são mais de dez anos trabalhando com crianças –, mas sempre que se passa por isso, a gente fica meio sensível com a situação.