A terrível e emocionante tarefa de relacionar-se

Relacionar-se é, por definição, necessário. Ninguém vive sem ajuda de ninguém; ninguém se cria sozinho. Isso poderia exercitar naturalmente nossa humildade; mas com o avanço da idade, penso que isso tende a diminuir consideravelmente. Pensamos com uma individualidade liberal, desconsiderando todos os Freuds e os Wallons que existem por trás de cada ato individual, único e individualista.

Para mim, relacionar-se é frustrar-se muitas e muitas e muitas e muitas vezes. Eu não sei se ceder é ordem natural das coisas, mas sei que me custa muito. Ver as coisas pelo lado racional ou por outro ponto de vista (que não o meu), também: custa, custa, custa (!). Sempre tenho a impressão de que cada passo que dou em prol das relações é um abismo de esforço — e o pior, é mesmo, é um esforço cada dia mais sobre-humano, para mim. Nunca sei se eu é quem sou a estranha ou se isso é inerente aos seres humanos.

Ultimamente, tendo a dizer que isso é muito humano. E explico: não apenas eu, mas quase todas as minhas relações super-diretas tendem a se defender, usando a sua racionalidade. Por muito tempo, eu me achei racional e usava esse artifício. Hoje, não consigo mais acreditar nisso: tudo o que faço, na hora de me relacionar com outrem, é tentar defender minha vontade sobre a outra vontade, sem ter nenhuma razão e nenhuma lógica nos desejos. É tudo um jogo de interesses e de frustrações. Quando digo que meu ponto de vista é racional e lógico, sei que estou sendo cínica, comigo e com o outro.

Ainda não entendo por que seguimos nessa dinâmica; por que essas pessoas continuam sendo tão importantes, mesmo eventualmente nos ferindo; por que não trocamos a via do jogo; por que não conseguimos viver sozinhos. Talvez seja instinto de sobrevivência, talvez seja uma tendência genética de nos sublimarmos dia-a-dia, não sei.

Sei que se frustrar para ver o outro contemplado é um saco. Mas cada dia que passa, penso que isso é a vida, mesmo. Sei que daqui há pouco é o contrário: mas o contrário eu — e toda a humanidade — não enxergo, vejo só onde me dói o sapato. Isso é tão humano e tão sórdido, que às vezes penso que os cachorros são, mesmo, mais evoluídos do que nós: se doam por nada ou por muito pouco.

Mas a cada dia que passa, percebo que as pessoas que amamos não são quem nós queríamos que fossem. Eu sei que estou dizendo algo quase infantil, mas ver as relações dessa forma me parece mais adulto a cada dia. Existe um hiato abissal entre a vontade e a realidade. Vejo que essas pessoas que amamos não topam tudo por nós. Quando olho mais de perto, penso que nem eu topo tudo por elas, e nem topo tudo por mim mesma. Não me reconheço diariamente, apesar de me esforçar incessantemente para me enxergar com lente de aumento. E é essa dinâmica de deixar-se levar, junto com uma preguiça habitual e com os comodismos diários que nos levam para frente nas relações. Para nossa sorte é dessa forma: poderia ser, ainda, pior.

Ser sincero nas relações pode até ser louvável e recomendável. Pode contribuir, pode ajudar. Mas equacionar vontades e gênios — com ou sem sinceridade — é a única virtude que eu gostaria de ter e a única virtude que eu gostaria de receber.

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==> EM TEMPO:

Trilha sonora do post: Meu fado meu, de Mariza:

A letra tem tudo a ver com Fernando Pessoa e Cesáreo Verde! Fala de saudade, solidão e constituir-se como pessoa. Não linka exatamente com esse post, mas letra+música são emocionantes.

Marina – de Tito Paris

Não conhece o Tito Paris? Corre para o e-mule descobrir quem é esse homem!

Marina flor querida
Pa mi bô ê tudo
Na vida
Mi ja`m crebô
Até more
Amor ligria e paz
Nha flicidade ta na bô mon
Um ca podê vive sem bô

Bô ê um ser cheio
D` humanidade
Qui Deus manda pa mundo
Pa consolança
D`nha tristeza
Bô ê um santa sem igual
Bô ê nha consolança
J`am crê oiob na nha altar

Sô ma bô um tem fé
Pamod nha luz ta na
Bô coração
Dia quel raiá
Ê um esplendor
De amor na nôs vida